Fonte: Mundo do Marketing
Os brechós, antes remetidos a locais com peças antigas e cheiro de naftalina, ganharam novo impulso com o comércio eletrônico. As lojas virtuais específicas para itens usados têm crescido em todo o Brasil, especialmente as voltadas para a moda. Os produtos deixaram o mofo para trás e hoje dividem espaço até com artigos novos. Os compradores são das classes A, B e C, que têm em comum a busca pela exclusividade e preços atrativos.
Ainda não há levantamentos específicos sobre a contribuição do segmento para o total faturado pelo e-commerce, que chegou a R$ 28,8 bilhões em 2013, no Brasil. Muitos dos dados apontados em pesquisas em lojas virtuais, no entanto, valem também para o mercado online de roupas usadas. As categorias de produtos mais procurados são moda e acessórios, segundo o Relatório Webshoppers da E-Bit. A estimativa é de que, em 2014, o volume de vendas do e-commerce aumente 20% em relação ao ano anterior, chegando a R$ 34,6 bilhões. Com o ambiente favorável, as pessoas observaram nesse meio uma oportunidade de renda.
O baixo custo para abrir uma página online e a boa visibilidade que a internet oferece são alguns dos motivos que levaram a um aumento da oferta de bazares. Isso porque, diferentemente de lojas físicas, quem trabalha no ambiente virtual tem que se preocupar menos com o local e mais com a divulgação. “A grande vantagem de um negócio como este é o investimento, que gira em torno de R$ 15 mil, um custo muito abaixo se comparado a outros negócios do varejo. Esse valor considera a criação de um bom site, gestão de estoque e pagamento, provedor e uma pessoa para fazer a comunicação com o público, já que, com o tempo, o dono vai ter dificuldade em responder de imediato”, analisa Roberto Kanter, Consultor de Varejo e Professor de MBA em Marketing e Gestão Financeira pela FGV, em entrevista ao Mundo do Marketing.
Garantia transmite confiança
Quando o trabalho é feito com qualidade e de forma transparente, o índice de satisfação dos clientes é alto. O brechó online Ficou Pequeno conseguiu agradar aos compradores mesmo não vendendo diretamente as mercadorias. Como um portal de anúncios de roupas usadas de bebês e crianças, a empresa preza pelo bom estado do que é ofertado e oferece garantia total em caso de problemas com um item. O portal permite ainda aos clientes darem notas de avaliação aos serviços.
Com foco no segmento infantil, o desgaste é raramente visto nas vestimentas. Isso porque, na fase de crescimento, as peças deixam de ter serventia rapidamente, mesmo antes de terem sido úteis. “Após observar o desperdício, resolvi investir nesse ramo. O retorno do investimento foi rápido e o interesse das pessoas em vender e comprar é o melhor termômetro. Hoje o site se mantém com os próprios recursos”, conta Alexandre Fisher, criador e dono do Ficou Pequeno, em entrevista ao Mundo do Marketing.
A página possui 70 mil visitantes únicos por mês, 1.200 anunciantes, 13 mil produtos publicados e 7,5 mil já entregues. A estimativa do bazar é crescer 15% ao mês. A maior oferta e procura estão nos produtos importados. “Por causa do baixo preço, muitas pessoas montam enxoval fora do Brasil. Como algumas roupas nem chegam a ser usadas, elas estão em ótimo estado e possíveis de serem revendidas. O público gosta de ter algo diferente e de qualidade, é o tipo de item que mais tem saída”, avalia Fisher.
Busca por importados
Os brechós que registram mais crescimento no Brasil são aqueles que apresentam ofertas de grifes renomadas. O interesse no mercado de luxo, ainda que em peças usadas, é voltado à exclusividade e reinvenção que a moda tem. O Peguei Bode é um dos negócios que vende apenas marcas importadas, com clientes, em sua maioria, das classes A e B. O site conta com 15 mil visitantes únicos por dia e tem na discrição – em relação a quem são seus fornecedores e compradores – um de seus atributos.
Isso porque, apesar de os clientes não demonstrarem preconceito ao comprarem roupas usadas, muitos deles preferem que seu círculo de amizades não saiba a origem das peças. “Apenas eu e minha irmã, que é minha sócia, sabemos quem é o vendedor que publica no nosso site e quem compra dele. É uma relação de confiança”, diz Daniela Carvalho, Sócia do Peguei Bode, em entrevista ao Mundo do Marketing.
O endereço recebe clientes de todo o Brasil, que chegam a encomendar diretamente com as donas. O negócio trouxe lucro para as irmãs desde o primeiro mês de criação e já permite independência financeira. O sucesso nas vendas veio no relacionamento com os fornecedores. Inicialmente, a dupla procurou amigas e conhecidas próximas para ter estoque garantido. Após o início das vendas, divulgações feitas por blogueiras trouxeram mais notoriedade ao Peguei Bode. “Nunca pagamos anúncio e nem investimos em Marketing. Nossa melhor vitrine é o Instagram. Todos os produtos que postamos lá vendem rápido”, conta Daniela.
Ir além do carrinho de compras
Ter atuação nas mídias sociais e observar quais os produtos de maior interesse dos clientes é uma estratégia favorável ao empresário. “Pensar além da loja é fator importantíssimo. O empreendedor tem que ir onde as pessoas estão. Não usar integração de mídias é um erro. Hoje em dia, o Instagram é mais relevante. O empreendedor pode postar os itens com link para a peça e tornar a venda mais rápida. O ideal é que se desenvolva um bom site de venda com um bom blog”, analisa o consultor.
O conteúdo produzido precisa ser específico para o público-alvo que o brechó quer atingir. Essa ação agiliza as vendas e o processo de captação, uma vez que, sabendo para quem vender, identifica-se melhor como obter um material que gere interesse. Uma estratégia de comunicação bem feita envolve cliente e fornecedor. “No mercado de brechó não existe indústria de fornecedores, tudo é comprado de pessoas físicas. É importante ter contato com o público para adquirir mercadorias. O estoque tem que estar ativo, tem de haver procura das peças”, avalia Wilsa Sette, Coordenadora Nacional de Varejo da Moda, do Sebrae, em entrevista ao Mundo do Marketing.
Networking é essencial
Os próprios amigos podem ajudar nessa rede de contatos e fornecedores, como aconteceu com o Recicla Luxo, que conseguiu captar as primeiras roupas para o bazar online em conversas com pessoas do círculo de convívio. Sem retenção de lucro, a loja doa todo o valor das vendas para instituições de caridade. A iniciativa convenceu os conhecidos das sócias a cederem itens de grife em prol de instituições carentes. Por serem vestimentas de alto valor, é preciso um bom diálogo para que os donos abram mão de objetos parados no armário.
O estoque dos produtos fica concentrado no escritório da empresa, que faz uma triagem dos produtos e fotos profissionais das mercadorias. Além das sócias, o brechó possui um estagiário que cuida da parte de envio dos produtos. “Apenas as sócias respondem ao Fale Conosco. Gostamos de estar à frente de todo o processo. Por ser beneficente, não vivemos deste trabalho e precisamos ter outras carreiras por fora. Mas o funcionamento do Recicla Luxo é igual a qualquer outro semelhante”, afirma Adely Hamoui, Sócia do Recicla Luxo, em entrevista ao Mundo do Marketing.
A página é abastecida com produtos nacionais e importados, mas a maioria das ofertas está com etiquetas estrangeiras, principalmente os acessórios. A justificativa para maior saída dessa categoria é que, ao contrário das roupas e calçados, são itens de tamanho único. Foi ao enviar uma bolsa pelos Correios para o comprador que o Recicla Luxo notou um grande desafio. “A peça foi extraviada e não tivemos como reenviar outra igual à cliente, porque não tínhamos. Lidamos com exclusividade. Na época ficamos em uma saia juta, mas hoje em dia já tiramos de letra, pois fazemos o rastreamento”, conta Adely.
Ambiente formal
O profissionalismo de assumir um erro e dar resposta ao consumidor, mais do que um desafio, é fator determinante para o negócio. Em um momento de falha de uma loja informal o cliente se sente inseguro, já que não há nada legal que a obrigue a devolver o valor ao freguês. Saber que o local da compra tem um cadastro formal, recolhe impostos e aceita pagamento direto com as operadoras de cartão crédito gera confiança.
Transformar o pequeno brechó em empresa requer dedicação. Não existe jornada de trabalho, uma vez que a internet funciona 24 horas todos os dias da semana. Montar um esquema rotativo com sócios ou outros funcionários é a solução. “O consumidor quer resposta imediata. O site pode dar algum problema e você tem que estar disponível para atender”, diz Daniela Carvalho, da Peguei Bode.
Acreditar que o baixo investimento no setor pode ser comparado ao volume de trabalho é um equívoco. “Pensar que ter uma fanpage ou uma página na internet já caracteriza um negócio, faz com que o empreendedor não vá para frente. O investimento financeiro é baixo, mas os práticos são enormes e constantes. A grande vantagem do brechó online é a desvantagem dele: o controle do estoque. O dono não precisa se preocupar com grandes volumes de peças, mas precisa diariamente ir atrás de quem quer vendê-las”, analisa Roberto Kanter.